“A maioria dos computadores das escolas tem mais de 12 anos”
Testemunho e propostas de Professor do Ensino Básico e do Secundário.
O problema das desigualdades 1 – O Ministério da Educação deixou, há mais de 10 anos, de investir em recursos tecnológicos para os actores educativos – sobretudo para os alunos, mas também para os professores. Com todos os erros e limitações, lembramo-nos dos Magalhães e dos apoios à aquisição de material informático para os professores?
O problema das desigualdades 2 – Para além dos recursos informáticos, seria importante a existência de medidas para reduzir o “digital gap”, entre famílias que têm capital cultural que lhes permite ir acompanhando a transformação digital e as que não têm. Por exemplo, as Novas Oportunidades, pese embora, uma vez mais, todas as limitações e insuficiências (e mais o desnorte propagandístico) constituiu um momento não apenas de requalificação de adultos, mas uma oportunidade de estreitar o “digital gap” e de inúmeras famílias poderem aceder à “cidadania digital”.
O problema das desigualdades 3 – Desde há mais de uma década que o Ministério da Educação deixou de investir nos recursos das escolas, com poucas excepções (houve alguma melhoria nos acessos à Internet). A maioria dos computadores das escolas tem mais de 12 (!) anos, as licenças/actualizações de software estão há muito expiradas e a versão do sistema operativo (W7) já nem tem updates de segurança. As escolas mais ricas, por via de cursos profissionais, ou porque a envolvente económica o permite (Associações de Pais, empresas, etc.), vão conseguindo alguma modernização dos equipamentos. Mas a grande maioria não.
Centralização – As apostas dos últimos anos do Ministério da Educação baseiam-se quase exclusivamente em recursos centralizados (nomeadamente plataformas), com o foco na gestão do sistema educativo, como “recolectores de informação”. E muitas vezes estes recursos têm uma qualidade muito fraca, sem garantias de interoperabilidade, com as escolas a terem de introduzir em diferentes plataformas, uma e outra vez, informação repetida.
Cedência aos interesses comerciais, demissão de criação de plataforma segura para ensino a distância – Mesmo antes da pandemia, seria fundamental que as escolas pudessem dispor de plataformas de apoio ao ensino (tecnicamente, LMS – Sistema de Gestão da Aprendizagem), que permitam o chamado “blended-learning” [aprendizagem mista], ou seja, a combinação de aulas presenciais com materiais/recursos digitais, a serem utilizados no próprio contexto presencial ou extra-aulas.
Em tempos, o Ministério da Educação negociou com as universidades o alojamento de plataformas Moodle durante um certo prazo, depois… nada! Algumas escolas recriaram essas plataformas nos seus servidores, outras…nada! Uma vez mais, o problema das desigualdades: haverá alunos que terminarão o seu ciclo de ensino muito familiarizados com o acesso a informação digital e outros não. E as software-houses e as editoras a pressionarem as escolas para a adesão a soluções comerciais, com o gravíssimo problema de serem um buraco negro no que respeita à protecção de dados e à privacidade de crianças, jovens e professores.
A responsabilidade das escolas – Muitas escolas vêm alegremente alinhando em soluções comerciais, para as quais são frequentemente aliciadas/pressionadas pelos gigantes digitais (Google, Microsoft) e pelas editoras (Porto Editora, Leya). Ninguém sabe verdadeiramente o que estas empresas fazem com os dados recolhidos. Algumas escolas estabelecem relações perigosas e pouco transparentes com fornecedores informáticos, eventualmente representantes dos interesses anteriores. O modelo de gestão pouco democrático favorece que o todo-poderoso director gaste os recursos da escola quase sem prestar contas (o Conselho Geral limita-se, por regra, a umas meras “recomendações gerais” para o Orçamento). No actual contexto de pandemia, muitas escolas limitaram-se a um básico levantamento (aliás, por imposição do Ministério da Educação) de quem tem, ou não, computador/acesso à Internet, sem cuidar das reais condições de acesso dos alunos (ex.: PC a ter de ser partilhado com pai/mãe em teletrabalho ou com irmão na universidade, Internet apenas com ADSL por inexistência de fibra na zona). A Gestão de Sistemas de Informação na esmagadora maioria das escolas está no grau zero (apesar da existência de excelentes exemplos), no nível de maturidade mais elementar, com decisões complexas tomadas por directores na base do “acho que”.
A responsabilidade dos professores – Há uma parte substancial dos professores que têm aversão a considerarem o que acham ser “problemas exógenos” à escola: o capital cultural das famílias, os diferentes tipos de aprendizagem, etc. Persiste ainda, com demasiada frequência, o paradigma da “educação bancária” (Paulo Freire). Continua muito reduzida a participação de professores na produção de conhecimento sobre questões educativas. Como dizia uma professora da Universidade do Minho (Instituto de Educação), “quem está no terreno não estuda, quem publica fá-lo sem conhecimento directo da realidade”. Há, com alguma frequência, um discurso de sala dos professores desresponsabilizante, atirando a resolução dos problemas para “a sociedade”, o Ministério da Educação, os pais, etc. E muitas escolas gostam de “dar tiros no pé”, inventando burocracia inútil a adicionar àquela que o Ministério da Educação impõe, preenchimento de toneladas de dossiers que ninguém lê e para nada servem. Se alguém descobre uma maneira de simplificar os registos necessários, logo haverá alguém a propor mais uma ficha ou uma grelha inútil. Não é fácil nas escolas encontrar um ambiente propício à reflexão, à incomodidade e inquietação, ao espírito crítico, “entre a reprodução e a transformação” (Flávia Vieira).